PARTO EM CASA NA HOLANDA

Durante a minha primeira gravidez, quando mencionei o plano de ter um parto em casa, grande parte das pessoas fez questão de partilhar comigo as suas preocupações e/ou tentou também de alguma forma influenciar a minha escolha. Depois do meu primeiro parto, pensei que talvez desta vez a maioria das pessoas estivesse um pouco mais à vontade com a minha decisão, mas não, absolutamente nada mudou.

Com isto, não demorei a perceber que estas preocupações eram maioritariamente fundamentadas por medos pessoais e também pela habituação a uma só forma de fazer as coisas. Enquanto mulheres que ainda não foram mães me chamavam de corajosa por escolher ter um parto em casa, outras mulheres que tiveram partos à cerca de trinta anos atrás numa maternidade persistiam em criticar e tentar mudar a minha decisão no que toca a um assunto que é tão pessoal como o parto.
Vinda de Portugal, um país que, tanto quanto sei, não permite que o parto seja realizado noutro local que não numa maternidade ou centro hospitalar, entendo que o conceito de ter um parto em casa seja algo estranho, possa parecer à partida mais perigoso ou até bastante antiquado. No final de contas estamos a falar de dois países com diferenças culturais enormes.

Com isto em mente, pensei que talvez fosse boa ideia falar um pouco sobre como as coisas funcionam aqui na Holanda no que toca ao acompanhamento durante e pós-gravidez bem como no parto em si. Talvez desta forma consiga trazer um pouco de claridade sobre como as coisas podem ser feitas de outra maneira não comprometendo assim tanto a segurança das pessoas envolvidas, e talvez ajudar alguém que como eu esteja a planear ou a construir família neste país. Tudo isto é, obviamente, baseado nas minhas experiências pessoais, por isso se tiverem passado por alguma outra experiência não deixem de partilhar nos comentários!

dar à luz em casa

O processo do parto na Holanda


Existem, não só mas de uma forma geral, duas formas de fazer as coisas no que toca a isto de ter um filho na Holanda.

A) Decides ter o parto em casa.
B) Decides ter o parto num hospital.

Esta decisão é pessoal e é tomada exclusivamente pela mãe sem qualquer influência externa, excepto obviamente se existirem algumas complicações de saúde sabidas de ante-mão, mas já lá vamos.

Na Holanda é obrigatório ter um seguro de saúde. Existem vários tipos de seguros por onde optar, tendo consequentemente valores diferentes e sendo o mais básico em torno dos cem euros por mês.
Enquanto este tipo de seguro é suficiente para quem não sofre de problemas graves de saúde, não cobre os custos de um parto no hospital por vontade própria, querendo com isto dizer que neste caso, a menos que exista indicação médica, serão os pais os responsáveis por cobrir quaisquer custos relativos ao parto no hospital.

Por isso, caso estejam a planear ter filhos num futuro próximo e saibam de ante-mão que o irão querer fazer no hospital, é conveniente verificar e mudar o seguro de saúde de acordo com as necessidades, pois um simples upgrade pode ser o suficiente para serem reembolsados todos estes custos.

Se decidirem ter um filho em casa, até o seguro mais básico cobre os custos, e o mesmo será aplicado no caso de haver necessidade de transferência para um hospital devido a complicações ou necessidade de assistência médica.

Parto no Hospital 


Ao contrário de muitos outros países, na Holanda, a menos que existam complicações ou necessidade de assistência médica pós-parto, podem contar estar fora do hospital em apenas algumas horas depois de dar à luz, e com isto quero dizer entre duas a quatro horas depois de um parto normal/natural.

O processo funciona um pouco da mesma forma, com a excepção do numero de horas de estadia no hospital. A mulher é admitida quando está em trabalho de parto, dá à luz (este termo faz-me sempre lembrar um frigorífico a abrir mas enfim, vamos lá), toma um banho e assim que os médicos ou enfermeiras têm a certeza que ambos o bebé e a mãe estão estáveis e bem, são então liberados para voltar para casa. Este é o processo no caso de um parto normal. Não sei ao certo quanto tempo é necessário ficar no hospital no caso de intervenção cirúrgica, cesariana ou qualquer outro tipo de complicações, julgo que dependa de cada caso em especifico.

Parto em Casa


Existem algumas coisas que precisam ser arranjadas em avanço para se realizar um parto em casa, como por exemplo ter a cama elevada no caso de ser rente ao chão (podem-se alugar gratuitamente cunhas para elevar a cama), ter um caixote do lixo por perto e um pacote de maternidade. O pacote de maternidade contém coisas como, algodão, álcool, compressas, protectores de colchão, pinça para o cordão umbilical, pensos higiénicos para o pós-parto, etc.. Todos estes artigos serão utilizados pela parteira e pelos pais no pós-parto. Este pacote pode ser comprado por aproximadamente vinte euros ou será entregue em casa gratuitamente através do seguro de saúde uns meses antes da data prevista do parto.

Assim que se dá inicio ao parto a parteira faz então a primeira visita a casa. Neste momento irá conferir o progresso da dilatação, a posição e auscultar o coração do bebé, medir a tensão arterial da mãe e conferir se está tudo pronto para a realização do parto. Com a permissão antecipada dos pais, a parteira poderá ainda estar acompanhada por uma estudante que executará as mesmas funções sempre sobre a vigilância da parteira experiente. Dependendo do progresso, a parteira poderá então ficar para o parto ou ir embora e voltar umas horas depois.

Esta é também a altura em que os pais terão de contactar o kraamzorg (cuidados de maternidade), para que a enfermeira de maternidade possa dar assistência à parteira e à mãe durante e no pós-parto, mas já vamos a essa parte.

No caso do parto correr bem - excelente! O bebé e a mãe serão consultados pela parteira e assim que ambos parecerem estáveis e bem de saúde, a parteira vai-se embora, deixando a mãe aos cuidados da enfermeira de maternidade por mais umas horas, se esta assim o quiser. No entanto, caso durante ou após o parto exista algum tipo de preocupação ou necessidade de assistência médica, a parteira irá então transferir a mãe e o bebé para um hospital. Neste caso, não será necessário o acompanhamento da enfermeira, no entanto a parteira deverá seguir juntamente para o hospital de forma a trocar informações com os médicos e assistir a mãe durante o parto, caso seja necessário.

Colocando as coisas de uma forma simples, ter um parto em casa não implica que seja um parto não assistido. Na realidade estarão em mãos de profissionais experientes e bem equipadas que colocarão acima de tudo a saúde da mãe e do bebé e que em caso do mínimo de dúvidas optará por transferir a mãe para o hospital, mesmo quando apenas se tratando de uma questão de precaução como foi no caso do meu primeiro parto - podem ver a história completa aqui.

Assistência Pós-Parto


A Holanda oferece um serviço chamado Kraamzorg (maternity care/cuidados de maternidade) que consiste na visita ao domicilio de uma enfermeira experiente em cuidados pós-parto durante os primeiros sete a dez dias após o parto. Durante estas visitas, a prioridade é certificar que a mãe tem uma boa recuperação pós-parto, assim como consultar o progresso do bebé no que toca à cor, reacções, peso e outras questões relacionadas com a saúde. A enfermeira apoia ainda os pais em qualquer dúvida, ensinando a dar o primeiro banho, cuidar do cordão umbilical, amamentação, troca de fraldas, etc., assim como cuida de algumas lides da casa mais básicas para garantir o conforto e higiene.

Este é um serviço pago que pode ser contratado num mínimo de 24 e num máximo de 40 horas independentemente do parto ser realizado em casa ou no hospital. Estas horas serão divididas igualmente ao longo dos oito dias após o parto. Por exemplo, ao contratar 24 horas, podem contar com a visita diária de três horas durante oito dias, e assim consecutivamente. Dependendo do tipo de seguro e kraamzorg contratado poderá ser solicitada uma contribuição pessoal, por norma cerca de 4 euros por hora, ou será reembolsado o valor na totalidade.

Pessoalmente acho este sistema bastante útil, especialmente para quem é pai pela primeira vez, uma vez que terão o apoio de uma pessoa experiente que se certificará que tudo corre bem no processo de adaptação e que o bebé se encontra bem de saúde nos primeiros dias de vida. A enfermeira irá manter um diário do progresso da mãe e do bebé que será posteriormente partilhado com a parteira, que por sua vez visita a mãe uns dias após o parto para verificar se está tudo bem. No caso de dúvidas ou haver necessidade de alguma assistência adicional, a mãe pode sempre falar com ambas a enfermeira e a parteira que irão prontamente assistir ou redirecionar a mãe consoante o tipo de dúvidas ou apoio necessário. Existem ainda outros grupos de apoio disponíveis como por exemplo para apoio na amamentação ou até mesmo grupos de mães e filhos para um processo de socialização, o que é excelente.

Umas semanas após o parto, haverá ainda a visita em casa de uma enfermeira que efectuará alguns testes no bebé como o teste da audição e o teste do pezinho. Esta é também uma excelente conveniência, uma vez que permite aos pais evitarem ir com um recém-nascido para um centro de saúde para uma consulta que dura apenas cerca de 15 minutos.

Após estas peripécias todas, por volta das quatro semanas começam então as visitas regulares ao consultório para a vacinação, peso, medição e verificação do desenvolvimento do bebé. Também existe a opção de aparecer no consultório, sem marcação e durante um horário especifico, apenas para pesar o bebé e tirar dúvidas pessoalmente com a médica ou enfermeira. Estas visitas duram até aos quatro anos da criança.

Parto em casa

Visão Pessoal

O parto para mim é uma das experiências mais naturais e primitivas. Sendo alguém que, até ao momento, sempre esteve bem de saúde e se sente confiante no processo do parto, sempre quis manter as coisas o mais naturais possíveis.

Decidi por isso ter ambos os partos em casa, por nenhuma razão em particular para além de saber que me iria sentir mais relaxada e à vontade desta forma. Afinal de contas a minha casa é o meu ninho. Aqui conheço todos os cantinhos, sinto-me segura, posso-me mexer à vontade e ter a liberdade de levar todo o processo ao meu próprio ritmo. Todos estes são factores contribuintes para que eu, pessoalmente, me sinta confortável e possa aproveitar o momento tão único que é um parto, ao máximo.

Dito isto, os partos nunca resultam como planeados e por isso entrei nesta jornada de mente bem aberta desde o inicio. Sempre soube que existia a probabilidade de ter um parto no hospital e sempre me senti de bem com essa opção. Se mudasse de ideias a meio do processo ou fosse necessária qualquer assistência, também sabia que no máximo demoraria dez minutos a chegar ao hospital mais próximo. E por isso, dada a opção de escolher, sabia que me sentiria muito menos ansiosa durante todo o processo se pelo menos pudesse começar o trabalho de parto no conforto da minha casa.
Não tenho nada contra hospitais, drogas ou médicos, mas da mesma forma que apenas recorro a esses recursos quando sinto que é mesmo necessário, o mesmo é aplicado no que toca ao parto.

Não sinto que seja mais corajosa do que qualquer outra mulher por escolher ter um parto em casa ou sem medicação. Ter um bebé em casa não é para todos, assim como o chocolate não agrada aos demais. Cada pessoa é diferente, reage de forma diferente às situações e lida de forma diferente com a dor, emoções, etc.. O mais importante é termos confiança em nós próprias e na nossa decisão e ninguém tem o direito de incutir ao medo ou interferir, especialmente no que toca ao parto que é uma questão tão mas tão pessoal e privada.

O simples facto de ter uma experiência negativa no que toca ao parto é meio caminho andado para uma depressão e outros demais problemas e se existe a opção de evitar tais problemas seguindo apenas o nosso instinto e vontade própria, porque deveremos então ter a pressão de outras pessoas que são no seu todo diferentes de nós, que tiveram experiências diferentes, em tempos diferentes ou têm simplesmente um mindset diferente?

Pessoalmente identifico-me bastante na forma como os Holandeses funcionam no que toca ao parto e outras questões culturais, mas esse não é o caso para toda a gente, especialmente para quem tal como eu vem de um país mais conservador. Se esse for o caso, é tudo uma questão de partilhar os medos, inseguranças, dúvidas e desejos com a parteira ou médicos e eles farão de tudo para acomodar os nossos desejos enquanto mães ou gestantes. É essa a função deles, tal como de nos aconselhar no que se adequa melhor a cada uma de nós.

Se quiserem ter uma ideia sobre a nossa última experiência com parto em casa, podem ler a história completa aqui. Qualquer outra dúvida, já sabem, deixem nos comentários!

2 comentários

  1. Confesso que seria incapaz de ter um parto em casa. É daquelas situações em que se corre tudo bem é uma maravilha. Mas se há alguma coisa que corre mal, e pode bem ser imprevisível, pode-se transformar num pesadelo.

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    1. O mais importante é sentires-te segura e bem. Imprevistos acontecem onde e quando tiverem que acontecer e lida-se com eles da mesma forma. No meu caso sei que o tempo que demoraria a ser atendida por um médico, em caso de necessidade, seria igual tendo o parto em casa ou já me encontrando no hospital (como aconteceu da primeira vez), se calhar estando mais distante do hospital o caso mudava de figura :)

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