SER MÃE NO SÉCULO XXI


Já se passaram cerca de nove meses desde que a minha vida deu uma grande cambalhota e me encontro em casa a cuidar da minha primeira filha.

Desde então, sempre que me perguntavam onde é que trabalho a primeira resposta que me ocorria era "não tenho emprego no momento". Isto até me relembrar que na realidade tenho o trabalho mais recompensador e importante que pessoalmente poderia ter, e com isso a minha resposta passou a ser "estou focada a educar e cuidar da minha filha a tempo inteiro".

Só porque o meu trabalho não é monetariamente remunerado, não passa a ter menos valor.

Sendo alguém que trabalha desde os dezassete anos, a possibilidade de me encontrar em casa com o meu primeiro filho e "sem emprego" ainda é algo que requer adaptação. Não me interpretem mal, se existe alguém mais agradecido por esta oportunidade sou eu. A oportunidade não só de poder estar com a milha filha a tempo inteiro como ter a maior influência na sua educação, juntamente com o David claro. No entanto esta posição é, especialmente nos dias que correm, considerada um privilégio e consequentemente é vista como algo não necessário ou sequer algo bom para o desenvolvimento da criança.

No antigamente

Apenas à algumas gerações atrás, os homens eram os responsáveis por financeiramente sustentar a família, saindo de casa para trabalhar, ao passo que as mulheres tinham como papel principal cuidar das crianças, das compras e das lides do lar, mantendo-se sempre apresentáveis. Ao longo da história, as mulheres lutaram tanto pela sua emancipação que acabaram por ficar numa posição menos privilegiada em diversos aspectos. Andando um pouco para a frente no tempo, é agora esperado das mulheres que continuem a tratar igualmente bem das lides da casa, das crianças, a estarem sempre apresentáveis e com apetite sexual e no topo disto tudo terem um trabalho a tempo inteiro. Bolas, há um limite para o que uma só pessoa consegue aguentar com um sorriso estampado no rosto.

Efeito bola de neve

Para a grande maioria das famílias, tornou-se impossível viver apenas de um salário, obrigando assim a que ambos o pai e a mãe saiam de casa para trabalhar durante a maioria dos dias, tendo consequentemente de pagar a alguém para cuidar e educar os seus filhos durante esta ausência. 

Hoje em dia, a maioria das crianças passa mais tempo sem os pais e dentro de um sistema de ensino que ainda tem bastante para evoluir. 

Não existe nada de errado em escolher voltar ao trabalho logo após ter uma criança. Cada pessoa é diferente e tem as suas próprias crenças e prioridades. Apenas gostaria que fosse possível, nos tempos que correm, existir esta opção de escolha para toda a gente em vez de se ter de optar por entre sobreviver e alimentar a família ou educar as crianças da forma que queremos. 

No mundo inteiro

Enquanto em alguns países como, por exemplo, o Japão é esperado das mulheres que estas larguem por completo as suas carreiras profissionais após terem o primeiro filho, e são terrivelmente julgadas se não o fizerem, em alguns países Europeus é esperado que as mulheres deixem os filhos com dois/três meses de idade em creches durante o dia inteiro, de forma a resumirem o seu trabalho. Para não falar nos EUA onde a grande maioria dos estados nem sequer tem um sistema de apoio à licença de maternidade. 

Por causa destas diferenças todas na educação, algumas pessoas ainda acreditam que as crianças que são educadas em casa com os pais se tornam "bichos do mato" privados de interacção humana, preguiçosos, envergonhados, menos inteligentes enquanto que crianças que vão desde cedo para a creche desenvolvem muito mais rápido tanto as capacidades motoras como as habilidades sociais, tornando-se mais inteligentes e "desenrascadas". Bem, isso não poderia estar mais errado. 

Serão as crianças menos inteligentes ou sociais por não irem à creche?

Na minha mais sincera opinião, se acreditas que a tua criança não beneficia de todo em ter a tua completa atenção nos primeiros anos de vida ou seres tu quem tem o maior impacto na sua educação desde cedo, simplesmente quer dizer que tens dúvidas em relação à tua capacidade de criar o teu próprio filho. Não digo isto de uma forma critica depreciativa. Nem todos nós temos a confiança, paciência ou até sentimos necessidade de activamente criar uma criança (especialmente depois de turnos de oito horas e três horas de comuta), entendo isso perfeitamente. Essa é uma das razões pelas quais as creches foram criadas. Agora não me venham dizer que a minha filha é menos alguma coisa porque sou eu a responsável pela sua educação nos primeiros anos de vida. 

Existe mais na vida do que trabalho e dinheiro

Já existem estudos provando que crianças que passam muitas horas diárias afastadas dos pais crescem com uma sensação de abandono e baixa auto-estima, consequentemente afectando negativamente o seu empenho ao longo da vida. 

Até o que para um adulto se parece "apenas umas horinhas" para uma criança pode parecer uma eternidade. Lembro-me de estar sempre tão triste ao ver os meus pais afastarem-se depois de me deixarem na creche. Esse mesmo sentimento e aperto no peito permanecia até ao final do dia, por mais que eu gostasse das actividades que fazia na creche e dos meus colegas. Isto durou anos. 

O meu maior medo

Sempre que penso em colocar mais uma pessoa neste mundo, faço-o de forma racional. Significando isto que, na sua maioria, ele/ela estará cá para fazer bem ao mundo e pessoas ao seu redor. Toda a experiência física e social de ser mãe vem depois, é um acrescento, algo agradável que vem por arrasto. Assim, apenas considero lógico que seja eu a providenciar a sua educação. O meu maior medo nunca foi de fisicamente ter um filho, isso é a coisa mais natural que existe, o meu medo era de saber educar uma pessoa de forma a torná-la uma mais valia para este mundo. 

Eu tenho a certeza que os meus filhos terão os seus próprios ideais e ideias (é mesmo isso que quero!) mas eu quero contribuir da melhor forma para criar uma fundação forte para que cresçam confiantes, inteligentes e espertos o suficiente para saberem tomar as melhores decisões e consequentemente transmitirem isso aos amigos, irmãos, à própria família e qualquer pessoa ao redor. 

Conclusão

No final de contas andamos todos a trabalhar (muitas vezes em algo que não gostamos) para pagar serviços dos quais não precisaríamos de outra forma. 

Com tudo isto não tenho intenção de mandar ninguém abaixo pelas suas escolhas. A decisão que tomámos não foi fácil e também demorei algum tempo a habituar-me à ideia de não trazer dinheiro para casa. Mas no final do dia, não nos importamos de viver com uns luxos a menos se isso significa participar a tempo inteiro na fase mais importante da vida dos nossos filhos. 

As grandes viagens à volta do mundo podem esperar para quando a nossa filha as melhor souber apreciar. O upgrade no carro pode esperar que nos tornemos uma família maior. As coisas mais fancy também podem esperar porque temos tudo o que precisamos no momento para viver uma vida feliz e equilibrada. E somos tão gratos por isso!




13 comentários

  1. Apetece-me ir bater-te à porta para conversar sobre o tema.
    Mas estás longe... Tenho uma grande amiga que faz parte das mães d'água. Um grupo cívico de gente que quer que o parto na água volte ao SNS, sabes como é aí? É possível parir na água, em casa?
    Eu sei desviei-me um pouco do tema mas lembrei-me de perguntar.
    E o homeschooling consideras? Eu acho que é o que faz mais sentido não levar a vida para a sala de aula, mas a sala de aula para a vida... Aprendizagens significativas...
    Desculpa o caos deste comentário mas as tuas palavras deixa-me a pensar...

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    1. Hahah adoro! Afinal não foi tão caótico assim. Vamos por partes.

      Podes sim ter um filho em casa e na água. Tanto podes comprar/alugar uma piscina como usar as banheiras no hospital. As condições são muito boas. Cheguei a ponderar isso mas acabei por decidir ter apenas em casa (até termos de ir para o hospital por recomendação da parteira). Se tiveres interesse, podes ler mais sobre esta experiência neste post: http://pt.witkonijn.net/2015/12/um-dia-que-mudou-tudo.html

      Homeschooling é uma questão que ainda andamos a debater por termos algumas dúvidas, como por exemplo, se é possível fazê-lo cá, se existe alguma comunidade na área, por quanto tempo o faríamos, etc. Principalmente pelo factor da língua era benéfico encontrar um balanço entre escola/homeschooling ou uma outra solução como criar uma comunidade homeschooling com crianças e pais Holandeses. Em breve abordarei este tema no blog, especialmente depois do feedback tão bom que tenho recebido e que não esperava.

      Muito obrigada e manda as dúvidas todas que quiseres!

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    2. PS: Desculpa a resposta gigante mas eu não sei escrever poucas palavras para me expressar minimamente bem.

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  2. adorei o post, tens muita razão em tudo o que disseste!
    eu vejo pela minha mãe os sacrifios que fez e ainda faz para ser uma mulher trabalhadora e mãe a tempo inteiro, ela mata se mas conseguiu me dar um educação priviligiada, mesmo estando a trabalhar
    no entanto, não devia ser tão dificil educar um filho e ter toda esta carga nos ombros
    beijinhos

    http://umacolherdearroz.blogspot.pt/

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    1. Precisamente! Temos de começar a lutar para encontrar um equilibrio. Pelo menos para que todos tenhamos esse poder de escolha. A forma como a sociedade está construida no momento é tão errada nesse sentido.
      Um beijo grande

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  3. Adorei este teu post, Inês!
    Já o tinha lido e só agora estou a comentar, mas ontem num jantar com amigos que já são pais e têm uma menina linda de 4 anos, e em conversa sobre ter-se mais filhos, a questão de gestão de tempo/ finanças / qualidade de vida / até comentei com eles o teu post e acabei por partilhar o link.

    Eu ainda não sou mãe mas quero muito ser, e já começo a pensar em todas estas questões.
    De facto ainda há um grande estigma acerca das mulheres que optam por ficar em casa para cuidar dos filhos. Com certeza também haverá homens a fazê-lo, mas obviamente até por questões como a amamentação, a presença da mãe torna-se ainda mais importante.

    O ideal seria obviamente um dos dois poder acompanhar a criança talvez até ao primeiro(?) ano de vida? Parece-me tão importante esse acompanhamento! Temos países dar uma licença de maternidade mais prolongada e inclusivé remunerada a 100%, mas são uma minoria, infelizmente, e aqui em Portugal é absurdo, e incompreensível quando temos uma taxa de natalidade tão baixa!

    Que bom que tu e o David conseguiram dar esse passo! Com certeza foi preciso coragem e espírito de sacrifício em vários aspectos mas será muito compensatório a tantos níveis! :)

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    1. Muito obrigada! E obrigada por partilhares. Pode ser que ajude a que todos lutemos por um sistema mais equilibrado nesse aspecto. Todos temos a beneficiar com o educarmos os nossos próprios filhos nos anos mais importantes do crescimento de uma criança.
      Aqui a taxa de natalidade é bem superior a Portugal, no entanto o tempo de licença é ridiculamente baixo. Imagina-te a deixar um recém nascido com dois meses na creche desde as 7 da manhã às 19:30 da noite. É desesperante. Para não falar no valor das creches estupidamente alto (equivale a um ordenado completo).
      Portugal felizmente subiu (mesmo que não o suficiente) o tempo de licença de maternidade nos últimos anos. Aos poucos havemos de conseguir criar um melhor sistema, mesmo que não seja para a nossa geração já fico feliz por sentir que estou a ajudar gerações futuras ;)
      Beijinhos

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  4. Gostei muito do post e embora não seja mãe compreendo os teus medos!

    Beijinhos,
    Inês
    http://www.indiglitz.pt

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  5. Eu penso da mesma forma e para ser sincera, gostava de estar presente por completo na educação do meu filho a tempo inteiro. Mas só o tempo dirá como será realmente.

    THE PINK ELEPHANT SHOE

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    1. Hás de conseguir o que realmente queres! E espero que muito em breve se comece a lutar para que toda a gente consiga ter este poder de escolha :)

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  6. Concordo inteiramente com este post e não compreendo como é que dizem disparates de a criança que passa mais tempo com a mãe poder ser ...enfim... "atrasada" no desenvolvimento, anti-social, etc. Se vamos por aí, não sei como é que a humanidade sobreviveu depois de tantos séculos de mulheres a cuidarem dos filhos, da casa, e algumas até de pequenos negócios que podiam ser executados em casa, enquanto os maridos - tipicamente e historicamente os provisores da família - iam trabalhar. Nós estamos muito longe do que eu considero normal em termos de família.

    Depois falamos em crianças criadas pela creche e/ou pela televisão. Sinceramente, quanto mais o tempo passa, quanto menos valores se transmitem, não podemos esperar muito destas pessoas como adultos. É uma questão de base. Já era má a questão das amas. Mas desde que a ama fosse uma pessoa decente, era um ambiente mais caseiro. Nas creches é estilo "linha de montagem". Isto nem faz sentido. As crianças têm mães. Como é que se deixa um bebé de 3 meses (ou sinceramente, seja de que idade for) entregue a estranhos o dia inteiro? Eu não consigo conceber isto na minha mente.
    Depois a mãe chega a casa, ainda tem que fazer tarefas de casa, e qual é o tempo e a energia que consegue dedicar ao seu bem mais precioso? Zero.
    Uma pessoa desperdiça-se por aí afora, dá mesmo que pensar, "afinal, para onde está a ir o melhor de mim?"

    "Quero dar tudo aos meus filhos" - muitos pais argumentam. Mas tiram-lhes o mais importante. Uma criança passa bem com o pai a trabalhar fora de casa, desde que esteja com a mãe. Mas a criança não passa nada bem quando está sem os dois.

    Ao ler o que mencionaste em relação ao Japão, eu compreendo de onde vem a crítica às mães que vão trabalhar. Talvez levem a crítica ao extremo, mas a sociedade lá ainda percebe o valor da mãe em casa.
    E voltando à questão de ter a mãe em vez da creche, é novamente, uma coisa disparatada falarem em crianças menos aptas ou, como já ouvi "que não sabem como é a vida" (eu cada vez que ouvia isto morria um bocadinho). Se a mãe está a trabalhar, não está a amamentar e já está mais que provado que as crianças que são amamentadas por mais tempo, têm grandes benefícios a nível físico e intelectual, já nem falando da parte emocional. Mas se a criança vai para a creche, vai necessariamente beber leite artificial mais cedo...
    Depois, na sociedade em que vivemos, em que está tudo deturpado, há quem olhe com desprezo, estranheza e às vezes até o quase nojo, quando ouvem que determinada mãe ainda dá de mamar à criança que já tem 2 ou 3 anos. Desde que haja condições e que a mãe também queira, não vejo o mal, antes pelo contrário.

    Eu fui uma privilegiada. É verdade que quando nasci ainda havia as ditas "donas de casa", mas também já havia muita mãe a trabalhar fora. A minha mãe, mesmo quando voltou a trabalhar, trabalhava em casa. Resumindo: eu tive sempre a atenção e assistência da minha mãe. E isso vale por tudo. E aqui estou, uma adulta funcional.

    Se vier a ter filhos, quero ficar com eles em casa, e se possível que possa educá-los em casa, que o ambiente nas escolas e especialmente em certos centros urbanos, está cada vez pior. Eu provavelmente não deixarei de trabalhar; sou freelancer, trabalho em casa, mas com certeza irei reduzir a carga de trabalho que tenho para dar mais atenção à criança.

    Desculpa a extensão deste comentário, mas infelizmente nem todas as pessoas têm a mesma visão que tu tens. Só pensam em materialismo - às vezes a pessoa vê que não estão a trabalhar para o sustento, mas para colecionar mobílias, carros, ouro, tecnologias a mais, e um sem número de coisas (e também vícios!) que me deixam perplexa. Eu compreendo que para muitas pessoas não seja fácil viver com um pouco menos, mas há que pensar no que é realmente necessário, especialmente quando as condições básicas estão asseguradas com um ordenado (infelizmente casos há em que isso não acontece e é um sarilho, mas no meu comentário estou a excluir esses casos extremos).

    Enfim!

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    1. Muito, muito obrigada pelo teu comentário! Concordo contigo a cem por cento e realmente acho que nos devíamos focar mais em lutar pelo direito de poder educar os nossos filhos pelo menos que seja nos três primeiros anos de vida a tempo inteiro. Infelizmente, para muita gente nos dias que correm isso não é um interesse e há cada vez mais pessoas que se casam e têm filhos como uma coisa leviana que é incutida pela sociedade por ser bonito e de bom tom (ou porque os amigos e amigas fazem o mesmo também têm de fazer) em vez de pensarem de forma racional no que realmente é ter e educar um filho ou sequer casar. Honestamente, não esperava tanto e tão bom feedback por parte de quem leu este post. Têm me vindo a encher o coração e a comprovar que afinal não estou sozinha!
      Um beijinho grande

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