Num mundo onde milhares de crianças desaparecem diariamente sem deixarem qualquer rasto ou esperanças de alguma vez voltarem a ser encontradas, acredito que algumas medidas lógicas e instintivas de segurança devem ser tomadas.
Podem acreditar que o facto de não partilharmos fotografias dos nossos filhos online é uma medida extrema para prevenir certas situações de acontecer. Podem até acreditar que o facto de ter a imagem dos vossos filhos exposta na internet é uma maneira preventiva no que toca a raptos e demais problemas. Não sou ninguém para dizer que isso está errado ou que todos devem fazer o que eu (ou nós como pais) fazemos, mas se no final deste post conseguirem olhar para este assunto a partir de outra perspectiva e entenderem um pouco mais sobre o nosso ponto de vista, parte do meu trabalho está feito.
Quando a nossa primeira filha nasceu, tanto o David como eu pedimos a toda a gente - desde familiares, amigos, escola, para não publicarem qualquer foto que expusesse a imagem da nossa filha. Na eventualidade de o querermos fazer, seríamos nós a tomar essa acção, o que por um lado entendo que não tenha sido desculpa suficiente para que as pessoas em redor entendessem a nossa decisão. Claro que amigos e familiares orgulhosos que todos são assim que nasce um novo bebé, a maioria das pessoas (à excepção da escola por motivos legais) ignorou completamente o nosso pedido e seguiu em frente partilhando fotografias da nossa bebé online.
Apesar de uma parte de mim conseguir ser compreensiva em relação a esta acção, não deixa de ser um completo desrespeito em relação aos pais. Também demorei algum tempo a compreender verdadeiramente esta decisão por parte de outros pais, até ter a minha primeira filha nos braços e perceber a importância de preservar a sua imagem e privacidade, por que na realidade "o que importa? É só mais uma foto de bebé", certo? No entanto, se há algo que muitos de nós nos esquecemos com regularidade é que a internet é de facto algo enorme e com bastante poder.
Então, o que é a Internet?
Conforme o nome indica é World Wide Web - Ou seja, uma rede de informação partilhada pelo mundo inteiro - ou seja, toda a gente que tenha acesso a um dispositivo com ligação à internet - resumindo, a grande maioria dos seres humanos que co-habitam este planeta. Desde pessoas que utilizam a internet com o exclusivo propósito de partilhar conhecimento, manter-se em contacto com outras pessoas com os mesmos interesses, procurar formas inocentes de entretenimento, etc., a pessoas com problemas mentais graves, a redes de tráfico humano, pedófilos, canibais e a lista não tem fim. De certo que saberão o que é a "dark web". Caso não o saibam ainda, recomendo vivamente que façam uma breve pesquisa sobre o assunto. Acreditem que apenas uns minutos de pesquisa serão o suficiente para vos fazer sentir indispostos.Nós, como pessoas normais, apenas conseguimos aceder a uma pequena percentagem da internet. E apesar da internet ser composta maioritariamente de dados, tudo o que é colocado online é permanente. Não importa a quantidade de vezes que apagamos um post, uma foto, uma conta, dados pessoais, uma vez colocados online não há volta a dar. Impõem um pouco de medo, hm? Mas não tem de ser necessariamente assim se todos usarmos um pouco de senso comum.
Ao lermos a primeira frase sob o titulo "Políticas de Segurança", podemos até criar uma ilusão de segurança, mas na realidade as coisas são um pouco mais profundas que isso. Para começar, todos nós pecamos no que toca a fazer scroll o mais rápido possível para clicar no botão "Eu concordo" quando instalamos ou actualizamos alguma app ou website. De certo que já nos aconteceu a todos a "mágica coincidência" de falarmos sobre um assunto/produto e logo de seguida encontrarmos anúncios e vídeos sugeridos relacionados com a nossa conversa dita privada. Não concordam que esta é apenas uma pequena representação do quanto da nossa privacidade estamos a dar de bandeja, muitas vezes sem sequer nos darmos conta?
Basta perder um pouco de tempo a ler as politicas de utilização completas de uma app ou website para percebermos a quantidade de cruzamento de dados que existe. Teoricamente este cruzamento existe com o simples intuito de aplicar estratégias de marketing e publicidade mais adequadas aos nossos gostos pessoais, no entanto não deixa de tornar a privacidade dos nossos dados pessoais bastante vulneraveis.
Um factor bastante importante que há que ter em conta é que para todos os efeitos a Internet é uma ferramenta livre, por outro lado paga com falta de regulamentação.
Se já se depararam com algum troll da internet, e acreditem já passaram pelo menos por um na vida mesmo não dando conta na altura, devem então saber que estas pessoas tiram prazer no acto de ficar de cu alapado do outro lado do ecrã a comentar merdas com o simples intuito de ter uma reacção ou fazer-nos sentir mal de alguma forma. Se existem pessoas que não encontram nada de melhor para fazer com o seu tempo do que isto, pensem então na quantidade de outras demais que procuram fotografias e vídeos de crianças com segundas intenções.
Com cada vez mais regularidade têm-se vindo a saber de novos casos de roubo de identidade, websites onde pessoas brincam em roleplay com a imagem de famílias que partilham as vidas e imagem em plataformas como o youtube, instagram, etc. Uma hashtag inocente como #amordemãe sob a fotografia amorosa do nosso filho é uma palavra chave bastante pesquisada por uma demográfica duvidosa e que apenas facilita a ditas pessoas com más intenções de encontrar o conteúdo que estão à procura. Essas mesmas intenções são algo que nunca havemos de poder controlar a partir do momento em que colocamos a imagem das nossas crianças disponíveis para o mundo inteiro ver.
Lamento ter de dizer isto, mas o facto de colocarmos uma fotografia dos nossos filhos com um smile a tapar a cara é simplesmente ridículo. Correndo o risco de ofender e talvez até chocar muita gente, a verdade é que os pedófilos e demais pessoas doentias não querem saber da cara dos nossos filhos para absolutamente nada. Eu sei, também me põem mal disposta só de pensar, mas é um facto mais que certo e sabido e é sem dúvida um factor chave a ter em conta quando expomos de forma tão tranquila a imagem dos nossos filhos indefesos.
Em tempos, eu também partilhei uma ou outra fotografia a segurar o meu primeiro bebé. Até que um familiar me alertou para o facto de ter encontrado uma dessas fotos numa plataforma cuja não tinha sido a mesma utilizada por mim. Nenhuma permissão da minha parte foi dada a esta pessoa para partilhar a minha fotografia, no entanto o simples acto de eu a ter colocado online foi mais do que permissão suficiente para uma pessoa que nem nunca vi na vida, fazer um screenshot e publicar essa mesma foto como se fosse dela numa outra plataforma acessível a toda a gente. Este foi para mim um ponto final. O dia em que realmente me apercebi do quanto estava a abdicar de qualquer controlo sobre o que quer que fosse que partilhasse online.
No final de contas, nós pais, familiares ou encarregues de educação somos os maiores responsáveis pelas decisões nas vidas dos nossos filhos até que estes tenham maturidade suficiente para o fazerem de forma autónoma. Contudo, acredito que partilhar todos os peidinhos, cocós na fralda, banhocas, dancinhas da moda, gargalhadas e por aí fora se torna bastante intrusivo. Se nós adultos não gostaríamos de ter essas partes intimas das nossas vidas partilhadas por outros, o que nos leva a crer que as nossas crianças mais tarde não se vão importar de ter tido as suas vidas expostas para toda a gente ver?
É tão simples quanto isto. Se nós não gostaríamos que os nossos pais fotocopiassem fotografias nossas dos álbuns de família e as expusessem pela cidade fora, o que nos dá o direito a nós de expor a imagem dos nossos próprios filhos ao mundo inteiro?
Na minha modesta opinião, estas deviam ser razões suficientes para que o nosso ponto de vista em relação a este assunto fosse verdadeiramente compreendido. No entanto, ainda hoje recebo comentários como "Estou só a partilhar com os meus amigos no Facebook" ou "Ninguém quer saber, o teu filho não é um prodígio, é apenas mais uma criança, não sejas tão paranoica". E se de facto estas são as questões então o que raio nos leva a querer partilhar em primeiro lugar? Nem todos os pais poderão admitir isto, mas a realidade é que não existe criança mais fofa ou interessante como os nossos próprios filhos. Com isto não quero dizer que também não goste de ver os filhos dos meus amigos, mas hey isso ainda pode ser feito em privado, como nos velhos tempos lembram-se? Em que todos se reunião a ver os álbuns de família enquanto comiam bolachinhas e bebiam chá.
Algumas coisas são para ser mantidas privadas
De um ponto de vista social, é compreensível que a maioria das pessoas sinta a necessidade de expor a imagem dos seus filhos desde o momento em que estes nascem. No final de contas, este fenómeno de partilhar publicamente o que estamos a sentir, as nossas actividades diárias e tudo o mais ainda é bastante recente e influenciável, uma vez que nos trás em troca o sentimento de pertencer e integrar num grupo. No entanto, ao pensarmos que esta será a primeira geração com as vidas expostas na internet, torna-se mais do que motivo suficiente para questionar se deveria ser feito de uma forma tão leviana.Podemos ainda não ter perfeita ideia das consequências e impacto futuros que estas acções terão na vida dos que agora são bebés ou crianças, mas de certo que todos nós conhecemos uma mão cheia de actores e outras pessoas que construiram a fama a partir de crianças e que anos mais tarde se chegaram a frente para dizer o quanto ressentem ter tido a imagem exposta tão cedo ou o impacto negativo que ainda hoje em dia sentem no seu dia-a-dia, mesmo não criando nada publico à décadas.
Quando publicamos algo online abrimos uma porta valiosa chamada a porta do julgamento. É obviamente mais fácil julgar alguém quando nos sentimos protegidos por um ecrã e por vezes também milhares de kilometros de distância. Uma vez exposto algo online, damos a permissão para que qualquer pessoa nos julgue, seja pela nossa aparência, seja pelo estilo de vida, o que for. E isso é tudo OK se tivermos consciência disso mesmo. No entanto, uma criança (bem, nem adolescentes e certos adultos) não tem capacidade para verdadeiramente compreender este aspecto portanto o facto de termos a permissão de uma criança para expor a sua imagem online torna-se completamente irrelevante devido à sua ingenuidade.
Tocando numa experiência mais pessoal, não é a primeira vez que membros da minha família são abordados em espaços públicos por pessoas com tudo menos boas intenções, dizendo ser amigos da família e ou isto ou aquilo. Felizmente, até ao momento tivemos sorte suficiente para saber entender o que estava a acontecer antes que a situação escalasse. No entanto, o simples facto de alguém acertar com um nome ou outra informação mais privada pode muitas vezes ser o suficiente para nos extorquirem mais informação e consequentemente submetermo-nos a problemas maiores. Se por norma temos cuidado com o que dizemos em público ou em mantermos certas coisas privadas (como a nossa morada), porque não podemos pegar nessa mesma preocupação e aplica-la à imagem dos nossos filhos que não têm como se proteger?
Como já devem ter percebido eu cresci numa altura em que a internet não era ainda acessível a toda a gente e nem se sonhava em redes sociais. Uma altura em que a privacidade era muito mais valorizada e respeitada. Eu quero que os meus filhos tenham essa mesma oportunidade, de escolher quando e como aparecer no mundo que é a Internet, seja lá o que ela for na altura. Até lá, nós como pais não só temos o direito como a responsabilidade e o dever de proteger os nossos filhos do que eles não tem capacidade para fazer, e honestamente acho que todos deveriam respeitar isso.
Não sou mãe ainda, mas revejo-me nas tuas preocupações e espero ter a mesma atitude quando chegar a minha vez. Quero que os meus filhos tenham a liberdade de escolher, como eu tive, o nível de partilha e abertura com que se expõem no online! Obrigada por esta completa e interessante partilha!
ResponderEliminarEu é que agradeço o comentário e o tempo dispensado a ler o post! Bom saber que gostaste. Muito obrigada mesmo!
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